O Congresso derrubou o veto do presidente Jair Bolsonaro ao trecho da Lei 14.010/20, conhecida como Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19), que impedia o despejo de inquilinos durante a pandemia por meio de liminar. Na última semana (20/8), o veto foi derrubado por 409 votos a 7 pelos deputados. Com a derrubada do veto, estão proibidas as liminares de despejo até 30 de outubro.
A derrubada do veto volta a proibir a concessão de liminares para despejo de inquilinos por atraso de aluguel, fim do prazo de desocupação pactuado, demissão do locatário cuja locação esteja vinculada a contrato de trabalho ou permanência de sublocatário no imóvel. Essa suspensão abrange os imóveis urbanos (residenciais ou não) e atinge todas as ações ajuizadas a partir de 20 de março, data em que foi publicado o decreto legislativo que reconheceu o estado de calamidade pública em decorrência do coronavírus no Brasil.
Destaca-se que o texto não exclui a possibilidade de despejo em caso de término de aluguel por temporada, morte de locatário sem sucessor ou necessidade de reparos estruturais urgentes no imóvel, ou seja, nestes casos, é perfeitamente possível o deferimento de liminar.
O veto presidencial derrubado estava consubstanciado na premissa de que o despejo é uma forma de coerção ao pagamento das obrigações pactuadas, de modo que suspendê-la, além de constituir proteção excessiva ao devedor, serviria de incentivo ao inadimplemento. Ainda, mencionava que grande parte dos locadores dependem diretamente do recebimento destes valores de aluguel, muitos exclusivamente de tal fonte de renda para sua subsistência, de modo que a impossibilidade de despejo impediria que os locadores pudessem buscar novos inquilinos que cumpram suas obrigações.
A realidade financeira do Brasil
Infelizmente, a visão de proteção majoritariamente econômica do presidente não condiz com a realidade financeira do país. Isso porque, no atual cenário de crise econômica, não apenas nacional, dificilmente se conseguirá obter rapidamente um novo locatário para ocupar o imóvel, até a data final do RJET, ou seja, 30/10/2020, pois se a dificuldade do mercado já era notória antes mesmo da pandemia, agora certamente o cenário é cada vez mais crítico.
Caso realmente se analisasse a situação sob um viés econômico, facilmente se concluiria que permitir o despejo, no caso do locação comercial, culmina numa situação em que se impede que o empreendedor possa exercer sua atividade profissional, o que acarreta numa crise não só pessoal, como num efeito cascata, atingindo seus fornecedores e até consumidores, nos casos de produtos de meio.
Não obstante, caso se proceda ao despejo, durante todo esse período de imóvel desocupado, caberá ao locador arcar com as despesas ordinárias do imóvel, enquanto que, com a manutenção do locatário inadimplente no local, permanecesse o direito de cobrança de todos valores, devidamente corrigidos e atualizados.
Imperioso destacar que a suspensão da concessão de liminar de despejo não impede futura análise do referido pleito, tampouco cerceia o direito de cobrança do locador. Muito pelo contrário, preserva-se o direito, cuja análise será postergada para o fim de outubro/20, considerando-se o prejuízo suportado pelo locador no período.
Além disso, o que se espera é que, ao final desse período catastrófico de pandemia, os locatários, ainda que vagarosamente, possam restabelecer sua condição financeira, ou seja, poderão retornar ao status quo de adimplemento e regularização da situação locatícia. E, certamente, é muito mais vantajoso ter um locatário garantido, do que manter-se na esperança de ter seu imóvel, em algum momento, quem sabe, ser novamente locado.
A derrubada do veto conta ainda com um importante argumento, especialmente se analisarmos que o texto faz parte de um regime transitório dedicado ao período de pandemia: é evidente que o despejo, em muitos casos, necessita da intervenção de diversos profissionais (oficial de justiça, força policial, chaveiro, fretista e etc), que conjuntamente com o próprio locatário despejado, serão expostos ao risco de contágio do COVID-19, ou seja, trata-se, na verdade, de uma medida de proteção sanitária, ainda mais relevante se analisada sob um contexto de locação em condomínio.
Ainda, no caso dos imóveis residenciais, a situação sanitária é ainda mais importante, pois considerando que a inadimplência, na maioria das vezes não se dá por má-fé ou liberalidade do locatário, mas advém da dificuldade financeira, principalmente dos altos índices de desemprego, é evidente que muitos destes locatários não conseguirão um novo imóvel regular, restando poucas alternativas senão morar em locais sanitariamente precários ou então com outros familiares/amigos, ou seja, colocando diversas pessoas numa mesma residência, pondo em xeque, novamente, a alta possibilidade de contágio pelo coronavírus.
Desse modo, analisando sob um panorama geral, a suspensão da concessão das liminares de despejo, trata de importante forma de proteção e combate à exposição desnecessário ao coronavírus, sem contar a proteção à dignidade humana e o incentivo para que o empreendedor não desista de seu negócio neste momento tão difícil.
Negociar é fundamental nesse momento
Como já mencionei em meu artigo anterior, que discutiu os impactos do Coronavírus nos contratos de locação comercial, é preciso ter paciência e negociar! A máxima nesse momento é gerenciar o controle de danos, pois estamos em crise, tanto na figura de locador, quanto na de locatário.
Locadores e locatários precisam negociar em tempos de crise, para que ao final da pandemia, possam restabelecer as relações, regularmente, em dia, sem prejuízo para ambas as partes.
REFERÊNCIA: BRASIL. Câmara dos Deputados. Congresso derruba veto e proíbe despejo de inquilinos durante emergência do coronavírus.
Stefany Adriana de Souza
Advogada OAB/SC 55.061| Direito Imobiliário
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