Suspensão do pagamento de tributos e obrigações acessórias federais em situação de calamidade já existe e não deveria haver dúvida quanto a aplicação

A legislação brasileira autoriza que empresas adiem o pagamento de tributos federais e não deveria haver tergiversação a respeito do tema.

A Constituição se preocupou inicialmente em garantir ao Estado recursos para enfrentar momentos de extrema adversidade, como por exemplo, quando permite a instituição de empréstimos compulsórios para atender despesas extraordinárias, vinculando esses recursos as despesas necessárias neste período[i]. A correlação entre o momento de necessidade deve estar relacionado a dois princípios basilares do Direito Tributário que são: a capacidade contributiva (para que cada um pague na medida em que tem ou aufere), e, a vedação ao confisco (para que nenhum tributo tenha caráter confiscatório).

Baseado sobre esses princípios, a Receita Federal, subordinada ao Ministério da Economia, o qual é competente para fixar prazos de pagamento de receitas federais compulsórias[ii], editou a Portaria 12/2012. Esta Portaria permite que as obrigações acessórias de todos os tributos administrados pela Receita Federal sejam suspensas por três meses em caso de sujeitos passivos (todos nós) estejam domiciliados nos municípios abrangidos por decreto estadual que tenha declarado estado de calamidade pública.[iii] Esta portaria veio em complemento a Portaria do Ministério da Fazenda que prorroga, até o 3º dia útil do mês subsequente a decretação do estado de calamidade, as datas de vencimento de tributos federais administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil [iv].

É verdade que não há uma forma única de calamidade. A situação neste momento, por exemplo, difere de uma enchente, inundação que, dura dias, quando muito semanas. Esta pandemia, ainda sem cura, nos impõe uma saída extremamente radical, que é evitar que estejamos próximos uns dos outros, para enfraquecer o contágio durante um período ainda incerto, tudo isto para não comprometer a capacidade de atendimento do sistema de saúde[v]. Em razão dessas necessárias medidas e com base na Declaração de Emergência do Ministério da Saúde[vi], os estados brasileiros reconheceram o estado de calamidade pública, decorrente da pandemia do COVID-19, e com isso suspenderam a atividade econômica, o transporte público, as atividades de entretenimento, e toda e qualquer atividade em que haja o risco de aglomeração de pessoas.

Novamente, volta-se a correlação direta entre a situação e um dos princípios basilares do Direito Tributário. Se o ente está impedido, por ato do Poder Público, de poder exercer sua atividade econômica, como poderá pagar os tributos? Como deve ser aplicada a capacidade contributiva aos casos em concreto? A resposta é simples. Não é possível.

Embora para o leitor mais leigo entenda que há uma razão de tributo relacionada a atividade (sem atividade, sem tributo) essa não é a regra geral para as empresas, que podem ter tributos com base num lucro presumido ou arbitrado[vii], fora as inúmeras obrigações acessórias que podem se converter em obrigação principal caso não sejam atendidas[viii]. Volta-se a situação problema, se o ente está impedido, por ato do Poder Público, de poder exercer sua atividade econômica, em muitos casos sem sequer poder ir ao seu negócio, como poderá realizar todas as suas obrigações acessórias?

Em vários estados, juízes e desembargadores tem aplicado o alcance da Portaria e da Instrução Normativa citada para suspender o pagamento dos tributos federais e as obrigações acessórias. Outros preferem se fiar a tese de que, em razão da possibilidade desta pandemia estender-se por meses, há um risco de que o não pagamento se estenda por um período ainda incerto. Com o devido respeito, mas discordo, pois, fio-me a construção doutrinária do professor Hugo de Brito Machado de que o Direito Tributário existe para proteger o contribuinte do Fisco, e não o contrário[ix].

O cenário atual está mudando de maneira constante e não é objetivo desse artigo menciona-las ou comenta-las uma a uma, e sim dizer que em momentos como este, felizmente há, no Direito, e em especial no Direito Tributário, formas e medidas de atuação para permitir que as empresas possam ao menos se programar para como sairão ao final dessa situação. Infelizmente alguns aplicadores do Direito Tributário tendem a ainda vê-lo como uma forma de drenar recursos da sociedade ao Estado, esquecendo que é a capacidade contributiva, dos indivíduos, quem garante ao Fisco a possibilidade de ter recursos, e não o contrário. Cabe agora ao Estado aplicar esse seu Poder de Tributar de maneira adequada e razoável para garantir, a saúde das pessoas e a sobrevida financeira de todos os que contribuem.

[i] Constituição Federal art. 148, I e PU.

[ii] Lei 7.450/1985, art. 66

[iii] Instrução Normativa RFB Nº 1243, de 25 de Janeiro de 2012, art. 1º

[iv] Portaria MF nº 12, de 20 de Janeiro de 2012

[v] Social distancing strategies for curbing the COVID-19 epidemic. Stephen M Kissler, Christine Tedijanto, Marc Lipsitch, Yonatan Grad medRxiv 2020.03.22.20041079; https://doi.org/10.1101/2020.03.22.20041079

[vi] Portaria Nº 188, de 3 de fevereiro de 2020. Ministério da Saúde.

[vii] Lei 8.541/1992 art. 2º

[viii] Código Tributário Nacional, art. 113 § 2º e 3º.

[ix] MACHADO, Hugo de Brito. CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO 24a edição Revista Malheiros Editores LTDA, pg. 8.

Leandro H. Fernandes de Sousa